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“Fundamentos da ideologia de gênero e destruição da família
A ideologia de gênero adquiriu sua configuração atual no início dos anos 90, na Universidade de Berkeley, com a obra da professora Judith Butler O Problema do Gênero [Judith Butler: Gender Trouble, Feminism and the Subversion of Identity, 1990, Routledge, New York]. Logo em seguida o conceito foi ardilosamente introduzido por meio do trabalho das Fundações Internacionais na Conferência sobre a Mulher promovida pela ONU em Pequim.
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A Conferência supostamente trataria da discriminação contra as mulheres, mas em vez de falar se de discriminação sexual, repetiu-se mais de 200 vezes, sem definição de termos, a nova expressão “discriminação de gênero”. Tanto na conferência como nas pré-conferências os delegados de numerosos países exigiram que o conceito de gênero fosse claramente definido antes do documento ser apresentado ou aprovado, mas as comissões responsáveis insistiram repetidas vezes que o termo era auto-evidente e não necessitaria ser definido. O conceito, porém, foi finalmente definido em 2006, quando duas ONGs européias, a International Commission of Jurists e a International Service for Human Rights, convocaram 29 especialistas de 25 países, incluindo a brasileira Sônia Correa, para uma Conferência a ser realizada em Yogyakarta, na Indonésia, para “trazerem maior claridade e coerência às obrigações sobre direitos humanos dos Estados”. http://www.icj.org/yogyakarta-principles/
A partir de Yogyakarta foram definidos os termos “identidade de gênero” e “orientação sexual”. Apesar da conferência ter sido convocada por duas ONGs e não contar com delegados oficiais de nenhum país, esta tem sido mencionada, na prática, como se contivesse princípios indeclináveis de uma convenção internacional aprovado pela comunidade das nações.
A ideologia, entretanto, já havia iniciado suas construções nos anos 80, antes de Butler, quando o conceito de gênero passou a ser adotado pelo movimento marxista e feminista, que via nesta teoria uma justificação científica para as teses desenvolvidas inicialmente por Karl Marx e Friedrich Engels.
Conforme atesta uma amplíssima literatura que poucas vezes é levada ao grande público, a doutrina marxista sustenta ser impossível implantar a revolução socialista sem que antes se destrua a família. Antes mesmo que iniciasse a redação do Capital, Marx escreveu na sua obra “A Ideologia alemã”:
“A propriedade privada somente poderá ser suprimida quando a divisão do trabalho puder ser suprimida. A divisão do trabalho, porém, na sua origem, não é nada mais do que a divisão do trabalho no ato sexual, que mais tarde se torna a divisão do trabalho que se desenvolve por si mesma. A divisão do trabalho, por conseguinte, repousa na divisão natural do trabalho na família e na divisão da sociedade em diversas famílias que se opõem entre si, e que envolve, ao mesmo tempo, a divisão desigual tanto do trabalho como de seus produtos, isto é, da propriedade privada, que já possui seu germe na sua forma original, que é a família, em que a mulher e os filhos são escravos do marido” [Karl Marx e Friedrich Engels: A Ideologia Alemã].
Nos últimos anos de sua vida, Marx pôde aprofundar, graças aos trabalhos do antropólogo americano Morgan, sua concepção sobre a família, recolhida finalmente no livro assinado por Engels “A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado”. Nesta obra Engels, seguindo Marx, sustentava que nos primórdios da história não teria existido a instituição que hoje denominamos de família. A vida sexual era totalmente livre e os homens relacionavam-se sexualmente com todas as mulheres. Deste modo, as crianças somente conheciam quem eram as suas mães, mas não sabiam quem fossem os seus pais. Mais tarde, à medida em que a sociedade passou de caçadora a agricultora, a humanidade começou a acumular riqueza e os homens, desejando deixar as novas fortunas como herança à sua descendência, para terem certeza de quem seria o eu herdeiro, fora obrigados a forçar as mulheres a não mais se relacionarem com outros parceiros. Com isto transformaram as mulheres em propriedade sexual e assim teriam surgido as primeiras famílias, fruto da opressão do homem sobre a mulher, e com a qual se teria iniciado a luta de classes. A conclusão óbvia desta tese, afirmada como absoluta certeza, visto que confirmava as teorias já levantadas pelo jovem Marx, é que não poderia haver revolução comunista duradoura sem a concomitante destruição da família.
As teorias de Marx sobre a família foram levadas à prática pela Revolução Leninista e aprofundadas pela Escola de Frankfurt. Fazendo um balanço sobre a revolução russa de 1917, Kate Millett escreve, em sua obra “Sexual Politics”:
“A União Soviética realizou um esforço consciente para eliminar o patriarcado e reestruturar a sua instituição mais básica, a família. Depois da revolução foram instituídas todas as leis possíveis para libertar os indivíduos das exigências da família: matrimônio livre e divórcio, contracepção e aborto a pedido. Mais do que tudo, as mulheres e as crianças foram libertadas do poder econômico do marido. Debaixo do sistema coletivista, a família começou a desintegrar-se segundo as próprias linhas sob as quais havia sido construída. Todas as providências legais foram tomadas para promover a igualdade política e econômica. Mas, mesmo com tudo isso, a experiência soviética falhou e foi abandonada. Nos anos trinta e quarenta a sociedade soviética voltou a assemelhar-se às sociedades patriarcais reformadas dos países ocidentais.” [Kate Millett: Sexual Politics, 1969, Rupert Hart-Davis, London].
Nos anos 30 a Escola de Frankfurt aprofundou a ligação entre a revolução marxista e a destruição da família. A revolução, segundo escreve Karl Korch no livro “Marxismo e Filosofia”, obra que deu início à Escola de Frankfurt, deve dar-se no nível econômico, mas as superestruturas política e cultural impedem a reestruturação econômica que se inauguraria com a implantação da ditadura do proletariado. Conseqüentemente, para possibilitar a revolução socialista, é necessário desenvolver concomitantemente um amplo trabalho de destruição da política e da cultura.
O modo pelo qual seria possível destruir a cultura para possibilitar a revolução socialista foi detalhadamente exposto por Max Horkeimer, o principal dirigente da Escola de Frankfurt, no seu ensaio “Autoridade e Família”, publicado 1936. Segundo ele, o que impede a destruição da cultura é a autoridade, e o que condiciona nos homens a autoridade é precisamente a família:
“entre as relações que influem decididamente no modelamento psíquico dos indivíduos, a família possui uma significação de primeira magnitude. A família é o que dá à vida social a indispensável capacidade para a conduta autoritária de que depende a existência da ordem burguesa” [Max Horkheimer: Autoridade e Família, 1936, republicado posteriormente in Teoria Critíca, 1968].
Segundo Horkheimer, a capacidade da família em impor autoridade é tão notável que chega ao ponto de tornar impensáveis as relações sexuais entre mãe e filhos e entre irmãos e irmãs, apesar destes indivíduos de sexos diferentes passarem anos seguidos vivendo debaixo do mesmo teto, algo simplesmente inconcebível se não ocorresse dentro da estrutura ambiente familiar:
“não somente a vida sexual dos esposos se cerca de segredo diante dos filhos, como também da ternura que o filho experimenta para com a mãe deve ser proscrito todo impulso sexual; ela e a irmã têm direito apenas a sentimentos puros, a uma veneração e uma estima imaculadas”
[Max Horkheimer: Autoridade e Família, 1936, in Teoria Critíca, 1968].
Assim, afirma Horkheimer:
“a subordinação ao imperativo categórico do dever foi, desde o início, o fim consciente da família burguesa. Os países que passaram a dirigir a economia, principalmente a Holanda e a Inglaterra, dispensaram às crianças uma educação cada vez mais severa e opressora. A família destacou-se sempre com maior importância na educação da submissão à autoridade. A força que o pai exerce sobre o filho é apresentada como relação moral, e quando a criança aprende a amar o seu pai de todo o coração, está na realidade recebendo sua primeira iniciação na relação burguesa de autoridade. Obviamente estas relações não são conhecidas em suas verdadeiras causas sociais, mas encobertas por ideologias religiosas e metafísicas que as tornam incompreensíveis e fazendo parecer a família como algo ideal até mesmo em uma modernidade em que, comparada com as possibilidades pedagógicas da sociedade, a família somente oferece condições miseráveis para a educação humana. Na família, o mundo espiritual em que a criança cresce está dominada pela idéia do poder exercido de alguns homens sobre os outros, pela idéia do mandar e do obedecer”
[Max Horkheimer: Autoridade e Família, 1936, in Teoria Critíca, 1968].
Mas se a revolução russa e a Escola de Frankfurt apontaram claramente o motivo pelo qual a destruição da família seria tão central para o êxito da revolução socialista, não explicaram, todavia, como esta deveria ser realizada.
De fato, como já notamos, apesar de todo o empenho e recursos utilizados, nem a revolução russa conseguiu dissolver a família. Nos anos 70, Kate Millett, a mesma que acabamos de mencionar, assim explicava as causas pelas quais Lênin não havia conseguido abolir a família:
“A causa mais profunda para isto reside no fato de que, além da declaração de que a família compulsória estava extinta, a teoria Marxista falhou ao não oferecer uma base ideológica suficiente para uma revolução sexual e foi notavelmente ingênua em relação à força histórica e psicológica do patriarcado. Engels havia escrito apenas sobre a história e a economia da família patriarcal, mas não investigou os hábitos mentais nela envolvidos, e até mesmo Lenin admitiu que a revolução sexual não era adequadamente compreendida. Com efeito, no contexto de uma política sexual, as transformações verdadeiramente revolucionárias deveriam ser a influência, à escala política, sobre as relações entre os sexos. Justamente porque o período em questão não viu concretizar-se as transformações radicais que parecia prometer, conviria definir aquilo que deveria ser uma revolução sexual bem sucedida. Uma revolução sexual exigiria, antes de tudo o mais, o fim das inibições e dos tabus sexuais, especialmente aqueles que mais ameaçam o casamento monogâmico tradicional: a homossexualidade, a ilegitimidade, as relações pré-matrimoniais e na adolescência. Isto permitiria uma integração de subculturas sexuais, uma assimilação de ambos os lados da experiência humana até aqui excluídos da sociedade. Da mesma forma, seria necessário reexaminar as características definidas como masculinas e femininas. O desaparecimento do papel ligado ao sexo e a total independência econômica da mulher destruiriam ao mesmo tempo a autoridade e a estrutura econômica. Parece improvável que tudo isto possa acontecer sem um efeito dramático sobre a família patriarcal”
[Kate Millett: Sexual Politics, 1969, Rupert Hart-Davis, London].
Logo após Kate Millett haver escrito estas linhas, cientistas e filósofos começaram a desenvolver aquilo que é considerado, pelo menos até o momento, como a solução definitiva para o problema da família. Não é nada mais do que aquilo que hoje conhecemos como ideologia de gênero. O conceito de gênero foi desenvolvido pela primeira vez no final dos anos 60 pelo Dr. John Money, psicólogo neozelandês professor na John Hopkins University de Baltimore.
Dr. Money sustentou que a percepção que as pessoas tem de sua própria sexualidade, à qual denominou de identidade de gênero, dependeria da educação recebida e poderia ser diferente de seu sexo biológico. Ao deparar-se com um recém nascido que havia sofrido uma amputação do pênis, e que possuía um irmão gêmeo univitelino, Money recomendou aos pais que castrassem o bebê e educassem o primeiro como mulher e o segundo como homem, sem que ambos soubessem de suas diferenças de nascença. A experiência fracassoucompletamente, uma vez que o gêmeo que havia sido educado para ser mulher, desde tenra idade, rasgava seus vestidos femininos, mais tarde passou a acusar os pais de lavagem cerebral e, por volta dos quinze anos, ameaçou suicidar-se se não lhe permitissem comportar-se como homem. John Money, entretanto, publicava diversos trabalhos na literatura especializada considerando a experiência como um sucesso e a comprovação definitiva da teoria de gênero.
Até poucos anos atrás a palavra gênero significava a atribuição de um caráter masculino ou feminino a classes de palavras tais como os substantivos e adjetivos. Dizia-se que uma palavra seria masculina, feminina ou neutra, ainda que o objeto correspondente, como um caderno ou uma mesa, não fosse um ente sexuado. Na língua inglesa, o termo correspondente ‘gender’, poderia ainda, secundariamente, ser entendido como sinônimo genérico de sexo; neste outro sentido, gênero poderia ser tanto o sexo masculino ou feminino, sem especificação. Mas, graças ao trabalho do Dr. John Money, o termo passou a perder este sentido secundário de sexo em geral, desvinculou-se da biologia e passou a referir-se a um papel socialmente construído. Assimilado, logo em seguida, durante a década dos anos 80, pelas teóricas do feminismo, passou a ser utilizado pelo movimento feminista para promover a revolução marxista.
Foi, porém, Judith Butler quem apresentou, no início dos anos 90, o conceito filosófico moderno de gênero, sob a forma que poderia ser aplicado, através do movimento feminista, para conduzir à destruição da família, necessária para promover a revolução socialista. Segundo Butler, quando as feministas se pensam a si mesmas como mulheres, já estão com isto, construindo um discurso que as impedem de emancipar-se dos homens. As feministas não deveriam mais falar da mulher como sujeito do seu movimento, mas deveriam, em vez disso, substituir tanto a feminilidade como a masculinidade pelo conceito amorfo e variável de gênero. Conforme explicado em sua obra “O Problema do Gênero”,
“Durante a maior parte do tempo a teoria feminista supôs que haveria uma identidade existente, entendida através da categoria da mulher, que constituía o sujeito para o qual se construía a representação política. Mas recentemente esta concepção da relação entre a teoria feminista e a política foi questionada a partir de dentro do próprio discurso feminista. O próprio sujeito “mulher” não pode ser mais entendido em termos estáveis ou permanentes. Há uma farta literatura que mostra que há muito pouco acordo sobre o que constitui, ou deveria constituir, a categoria “mulher”. O filósofo Michel Foucault mostra que os sistemas jurídicos de poder produzem os sujeitos que eles em seguida passam a representar. Nestes casos, recorrer não criticamente a um sistema como este para emancipar as mulheres é obviamente auto sabotador. A denúncia de um patriarcado universal não goza mais da mesma credibilidade de outrora, mas é muito mais difícil desconstruir a noção de uma concepção comum de mulher, que é conseqüência do quadro do patriarcado. A construção da categoria “mulher” como um sujeito coerente é, no fundo, uma reificação de uma relação de gênero. E esta reificação é exatamente o contrário do que pretende o feminismo. A categoria “mulher” alcança estabilidade e coerência somente no contexto da matriz heterossexual. É necessário, portanto, um novo tipo de política feminista para contestar as próprias reificações de gênero e de identidade, uma nova política que fará da construção variável da identidade não apenas um pré-requisito metodológico e normativo, mas também um objetivo político. Paradoxalmente o feminismo somente poderá fazer sentido se o sujeito “mulher” não for assumido de nenhum modo”
[Judith Butler: Gender Trouble, feminism and the subsversion of identity, 1990, Routledge, New York].
A idéia de que, para a revolução socialista seria necessário que as mulheres não mais se assumissem como mulheres não era nova nos anos 90. A novidade introduzida por Butler está no modus operandi através do conceito de ‘gênero’. Segundo Butler, a transição seria politicamente possível através da introdução do conceito de gênero inicialmente desenvolvido por Money. Mas a idéia de fundo já estava plenamente desenvolvida alguns anos antes de Butler, embora sem a intermediação do conceito de gênero, na obra “A Dialética do Sexo”, da feminista marxista Shulamith Firestone:
“Para falar sobre as alternativas revolucionárias, é necessário começar por dizer que as mulheres, no plano biológico, são diferenciadas dos homens. A natureza produziu a desigualdade fundamental, que foi, mais tarde, consolidada e institucionalizada, em benefício dos homens. As mulheres eram a classe escrava que mantinha a espécie, a fim de que a outra metade fosse liberada para o trabalho, admitindo-se os aspectos escravizantes disso, mas salientando todos os aspectos criativos. Esta divisão natural do trabalho continuou somente à custa de um grande sacrifício cultural: os homens e as mulheres desenvolveram apenas uma metade de si mesmos, em prejuízo da outra metade. A divisão da psique em masculina e feminina, estabelecida com o fim de reforçar a divisão em função da reprodução, resultou trágica. A hipertrofia do racionalismo do impulso agressivo e a atrofia da sensibilidade emocional nos homens resultaram em guerras e em desastres culturais.
O emocionalismo e a passividade das mulheres aumentou o seu sofrimento. Sexualmente os homens e as mulheres foram canalizados para uma heterossexualidade altamente organizada, nos tempos, nos lugares, nos procedimentos e até nos diálogos. Deve-se, portanto, propor, em primeiro lugar, a distribuição do papel da nutrição e da educação das crianças entre a sociedade como um todo, tanto entre os homens, quanto entre as mulheres. Estamos falando de uma mudança radical. Libertar as mulheres de sua biologia significa ameaçar a unidade social, que está organizada em torno da sua reprodução biológica e da sujeição das mulheres ao seu destino biológico, a família.
Em segundo lugar, a segunda exigência será a total autodeterminação, incluindo a independência econômica, tanto das mulheres quanto das crianças. É por isso que precisamos falar de um socialismo feminista. Com isso atacamos a família em uma frente dupla, contestando aquilo em torno de que ela está organizada: a reprodução das espécies pelas mulheres, e sua consequência, a dependência física das mulheres e das crianças. Eliminar estas condições já seria suficiente para destruir a família, que produz a psicologia do poder. Contudo, nós a destruiremos ainda mais.
É necessário, em terceiro lugar, a total integração das mulheres e das crianças em todos os níveis da sociedade. E, se as distinções culturais entre homens e mulheres e entre adultos e crianças forem destruídas, nós não precisaremos mais da repressão sexual que mantém estas classes diferenciadas, sendo pela primeira vez possível a liberdade sexual “natural”.
Assim, chegaremos, em quarto lugar, à liberdade sexual para que todas as mulheres e crianças possam usar a sua sexualidade como quiserem. Não haverá mais nenhuma razão para não ser assim. Em nossa nova sociedade a humanidade poderá finalmente voltar à sua sexualidade natural “polimorficamente diversa”. Serão permitidas e satisfeitas todas as formas de sexualidade. A mente plenamente sexuada tornar-se-ia universal” [Shulamith Forestone: The Dialetic of Sex, 1970, Bantam Books, New York].
Faltava ainda, entretanto, o mais importante para que a idéia se tornasse realidade política. Havia o problema prático de como introduzir estas idéias, e especialmente a idéia de gênero, já identificada como capaz de conduzir a humanidade à “mente polimorficamente sexuada que destruiria a família”, para arena política. Tal como formuladas por Shulamith Firestone e Judith Butler, estas idéias não eram politicamenmte viáveis e somente um pequeno punhado de revolucionárias radicais seriam capazes de aceitá-las. O dilema foi finalmente resolvido na Conferência da ONU, realizada em Pequim no ano de 1995, para tratar sobre a discriminação contra as mulheres.
A Conferência de Pequim estava programada para discutir e aprofundar a “Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher”, já aprovada em 1979 pela Assembléia Geral da ONU. A comissão organizadora da Conferência de Pequim, habilmente substituiu no documento a ser debatido os conceitos de ‘mulher’ e ‘discriminação contra a mulher’ por ‘gênero’ e ‘discriminação de gênero’, mas de tal modo que, no contexto do documento, todas estas expressões pareceriam significarem sinônimos. As palavras foram deliberadamente utilizadas para sugerir que “gênero” seria apenas um sinônimo elegante para “sexo”. Se a introdução das novas expressões pudesse ser aceita em um documento oficial da ONU, isto permitiria que, anos mais tarde, gradualmente se passasse a afirmar-se que as expressões aprovadas e não definidas para ‘gênero’ na realidade não eram sinônimas de ‘sexo’. Sustentar-se-ia, progressivamente, que masculino e feminino não seriam sexos, mas gêneros, e que, neste sentido, tanto o masculino como o feminino não seriam realidades biológicas, mas construções meramente culturais que poderiam e deveriam ser modificadas pela legislação até obter não apenas a completa eliminação de todas as desigualdades entre os gêneros, mas o próprio reconhecimento legal da não existência de gêneros enquanto construções definidas e distintas. Neste sentido, não existiria uma forma natural de sexualidade humana e fazer da heterossexualidade uma norma não seria mais do que reforçar os papéis sociais de gênero que Marx e Engels apontaram como tendo sido a origem opressão de uma classe por outra e que estariam na raiz de todo o sofrimento humano.
A Conferência de Pequim foi a segunda, na história da ONU, logo após a Conferência Populacional do Cairo realizada um ano antes, em que um grande quantidade de ONGs foram convidadas a participar oficialmente com um número de representantes muito superior aos dos delegados das nações, que continuavam sendo os únicos com direito a voto. A diferença numérica e a preparação superior dos representantes das ONGs a respeito dos temas tratados, paradigma que continua até hoje e que a própria ONU recomenda que seja adotada pelos governos das nações membros, fez com que, já nas conferências preparatórias para a Conferência principal a ser realizada em Pequim, em vez deter-se na questão da discriminação contra a mulher, objetivo inicial do evento, passou-se a deslocar o foco para a questão, inicialmente aparentemente indiferenciada, da discriminação de gênero. No início os delegados das nações, não acostumados com a expressão, julgavam que gênero fosse um sinônimo mais elegante para a palavra sexo. Mas na última Conferência Preparatória realizada em Nova York, quando os delegados finalmente chegaram à clareza suficiente para poder expressar verbalmente as suas dúvidas e exigir que a palavra ‘gênero’ fosse oficialmente definida, a coordenação da conferência divulgou a seguinte declaração:
“Gênero refere-se às relações entre homens e mulheres com base em papéis socialmente definidos que são atribuídos a um ou outro sexo” [Dale O’Leary: The Gender Agenda, Redefining Equality, 1997, Vital Issues Press, Lafayette, Lousiana].
Em vez de resolver o problema, tal declaração somente serviu para criar mais confusão. Ficava claro que gênero não era sinônimo de sexo, mas não era claro quais as implicações que o conceito poderia conter. Ao passarem a exigir uma definição formal de gênero que pudesse ser incorporada oficialmente ao texto da Conferência e votado sem ambigüidades, os proponentes se defrontaram com uma inesperada e bem organizada oposição. As ONGs feministas, representadas pela Sra. Bella Abzug, contestaram que a Conferência jamais daria uma definição formal de gênero, porque o que realmente estava sendo pretendido ao exigir-se tal definição seria “o confinamento e a redução das mulheres às suas características físicas. A palavra gênero significa que o status e os papéis das mulheres e dos homens são socialmente construídos e passíveis de modificação. As mulheres não voltarão a se subordinar a seus papéis inferiores” [Dale O’Leary: The Gender Agenda, Redefining Equality, 1997, Vital Issues Press, Lafayette, Lousiana].
A delegação dos Estados Unidos, além disso, da qual participava Hillary Clinton, na época esposa do presidente do país, afirmou que não seria favorável a uma definição formal de gênero, o que somente traria “complicações positivas”. A própria coordenação da Conferência acabou afirmando que “gênero não tem definição, e não necessita de tê-la” [Dale O’Leary: The Gender Agenda, Redefining Equality, 1997, Vital Issues Press, Lafayette, Lousiana].
O que verdadeiramente está acontecendo é que o conceito de ‘gênero’ está sendo utilizado para promover uma revolução cultural sexual de orientação neo-marxista com o objetivo de extinguir da textura social a instituição familiar. Na submissão do feminino ao masculino através da família, Marx e Engels enxergaram o protótipo de todos os subseqüentes sistemas de poder. Se esta submissão é conseqüência da biologia, não há nada a que se fazer. Mas se ela é uma construção social, ou um gênero, então, a longo prazo, ela poderá ser modificada até chegar-se à uma completa igualdade onde não haverá mais possibilidade de opressão de gênero, mas também onde não haverá mais famílias, tanto as heterossexuais como demais famílias alternativas. Neste contexto a educação caberia como uma tarefa exclusiva do Estado, e não existiria mais traços diferenciais entre o masculino e o feminino. Em um mundo de genuína igualdade, segundo esta concepção, todos teriam que ser educados como bissexuais e a masculinidade e a feminilidade deixariam de ser naturais. A essência da questão foi muito bem exposta pelo Padre José Eduardo de Oliveira, professor de Teologia Moral, em uma entrevista concedida à agência Zenit e recentemente publicado em livro intitulado “Caindo no Conto de Gênero”:
“Sintetizando em poucas palavras, a ideologia de gênero consiste no esvaziamento jurídico do conceito de homem e de mulher, e as conseqüências são as piores possíveis. Conferindo status jurídico à chamada “identidade de gênero” não há mais sentido falar em “homem” e “mulher”; falar-se-ia apenas de “gênero”, ou seja, a identidade que cada um criaria para si. Portanto, não haveria sentido em falar de casamento entre um “homem” e uma “mulher”, já que são variáveis totalmente indefinidas. Mas, do mesmo modo, não haveria mais sentido falar em “homossexual”, pois a homossexualidade consiste, por exemplo, num “homem” relacionar-se sexualmente com outro “homem”. Todavia, para a ideologia de gênero o “homem 1” não é “homem”, nem tampouco o “homem 2” o seria. Em poucas palavras, a ideologia de gênero está para além da heterossexualidade, da homossexualidade, da bissexualidade, da transexualidade, da intersexualidade, da pansexualidade ou de qualquer outra forma de sexualidade que existir. É a pura afirmação de que a pessoa humana é sexualmente indefinida e indefinível. Os ideólogos de gênero, às escondidas, devem rir às pencas das feministas. Como defender as mulheres, se elas não são mulheres?
Qual seria o objetivo, portanto, da “agenda de gênero”? O grande objetivo por trás de todo este absurdo – que, de tão absurdo, é absurdamente difícil de ser explicado – é a pulverização da família com a finalidade do estabelecimento de um caos no qual a pessoa se torne um indivíduo solto, facilmente manipulável. A ideologia de gênero é uma teoria que supõe uma visão totalitarista do mundo”
[Padre José Eduardo Oliveira: Caindo o Conto do Gênero, entrevista à Zenit, in http://www.zenit.org/pt/articles/caindono-conto-do-genero].
Portanto, a curto prazo, a substituição da luta contra a discriminação da mulher pela luta contra a discriminação de gênero desvirtua o foco pela luta a favor da mulher. A literatura especializada aponta vários problemas imediatos em confundir a discriminação contra a mulher com a discriminação de gênero:
“Apesar de ter suas raízes no feminismo socialista, a análise de gênero têm se tornado um discurso tecnocrático, dominado por pesquisadores, políticos e assessores, que não mais representam os problemas específicos da subordinação das mulheres. O foco no gênero, em vez de nas mulheres, está se tornando contra-produtivo, uma vez que permite a discussão deslocar seu foco das mulheres para as mulheres e os homens e, finalmente, de volta para os homens. O novo vocabulário de gênero está sendo usado em algumas organizações para negar que existam desvantagens específicas das mulheres e, portanto, a necessidade de medidas específicas que poderiam solucionar estas desvantagens”
[Baden and Goetz: “Who needs sex when you can have gender?”, Feminist Review, 56, 1997].”
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