A Procuradoria-Geral da República tem pronta sua mais impactante denúncia em três anos de Lava Jato, em termos institucionais. Com base em investigações realizadas a partir de informações dadas pelo empresário Joesley Batista e executivos do grupo JBS em seu acordo de delação premiada, os procuradores acusam o presidente da República, Michel Temer, pelos crimes de organização criminosa, corrupção passiva e obstrução da Justiça. T
Temer, segundo publicação da revista Época, edição desta quinta-feira, 15, é apontado como líder da organização criminosa do PMDB, que usou sua posição privilegiada no poder para obter vantagens financeiras ilícitas em troca de benesses com dinheiro público. Para evitar ataques políticos, acusações de açodamento ou desrespeito aos direitos de Temer, a Procuradoria decidiu esperar o máximo possível pela conclusão da perícia na gravação da conversa de Temer com Batista. No entanto, como há um réu preso, o ex-deputado Rodrigo Rocha Loures, corre um prazo de 15 dias. Os investigadores estão tranquilos quanto à gravação, pois consultaram três especialistas e têm também a admissão de Temer sobre o diálogo.
A convicção de que Temer e seu grupo estão no topo da organização criminosa surgiu aos poucos, durante a investigação. O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, recorre à imagem de um navio para explicar a importância do PMDB e a resiliência do grupo às pancadas dadas pela Lava Jato. Nesse navio, todos os tripulantes poderiam ser facilmente substituídos em caso de abalroamento, com exceção dos que comandam a cabine do capitão e dos que cuidam da casa de máquinas. Na sala do capitão, Janot coloca a cúpula do PMDB: Temer, o ex-presidente José Sarney e os senadores Renan Calheiros, Romero Jucá e Jader Barbalho. Na casa de máquinas ficam, na visão de Janot, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, chefe maior do PT, e o senador afastado Aécio Neves, presidente afastado do PSDB. A denúncia que está por vir, portanto, ataca o atual capitão do navio.
RESTO DO NAVIO
Nos últimos meses, Temer viu seus aliados mais próximos – a turma que cuida do resto do navio – sucumbir ao poder investigatório. Praticamente quase todo o seu séquito de apoiadores históricos está na cadeia ou ferido pela descoberta de malfeitos. O último a cair foi o ex-ministro Henrique Eduardo Alves, do PMDB. Afastado do poder desde o ano passado, quando entregou o cargo de ministro do Turismo, Alves já esperava pelo pior. Na manhã da terça-feira (6), a Polícia Federal bateu em sua porta e o levou para a cadeia, a mando da Operação Lava Jato. Alves foi preso por um dos episódios de corrupção no qual figura como suspeito. É acusado de receber propina pela construção da Arena das Dunas, em Natal, Rio Grande do Norte, um dos estádios erguidos para a Copa do Mundo de 2014. Recebeu porque tinha influência política suficiente pra cobrar pedágio de empreiteiras escolhidas para realizar a obra – simples assim, pela lógica de ocupação do Estado abalada, mas ainda em vigor.
A prisão foi sentida no Palácio do Planalto. Foi um golpe decisivo da Lava Jato no PMDB, especificamente o PMDB da Câmara, a facção do partido da qual Temer é oriundo, e que controlava parte do esquema de desvio de recursos da Petrobras e de outras fontes. Com Alves na cadeia, já são três aliados muito próximos do presidente encarcerados e à disposição pela Lava Jato. Ao todo, dez políticos e operadores ligados direta ou indiretamente a Temer estão nas garras da Lava Jato [leia os quadros ao longo desta reportagem]. Os últimos meses foram de devastação para o presidente no Palácio do Planalto. Todos os seus assessores especiais – José Yunes, Rodrigo Rocha Loures, Tadeu Filippelli e Sandro Mabel – foram embora por causa das investigações. Rocha Loures está na cadeia e Filippelli passou por lá. Yunes se ofereceu e foi falar à Lava Jato. Mabel saiu de fininho no mês passado. Devido a este histórico recente, apesar de o desemprego ser um problema no país, pouca gente se voluntaria ao cargo de “assessor especial” da Presidência no momento.
FORO
Dois dos ministros mais poderosos e próximos do presidente – Moreira Franco e Eliseu Padilha – permanecem no cargo em grande parte por necessidade da proteção do foro privilegiado. Foram mencionados pelos delatores da Odebrecht e são investigados por corrupção. O detento mais recente, Henrique Alves, era parceiro de negócios de Eduardo Cunha, outro ex-presidente da Câmara, preso em Curitiba desde o ano passado. O fato de os dois terem chegado à presidência da Casa, como Temer, não é aleatório. O grupo dominava o maior partido da Casa e fazia sua vontade prevalecer na política e nos negócios que a cercam. Além dos dois há pelo menos mais dois presos – o ex-deputado Rodrigo Rocha Loures e o operador Lúcio Funaro – capazes de infligir severos danos a Temer se decidirem fechar acordos de delação premiada com a Procuradoria-Geral da República.
Entre eles, o mais adiantado é Funaro, cuja oferta de delação ÉPOCA antecipou na semana passada. Funaro é o menos próximo de Temer. Mas, como operador de Cunha, era uma espécie de banco do PMDB da Câmara e afirma ter cuidado de operações financeiras para campanhas do PMDB e do presidente. Há semanas Temer busca pontos de apoio para resistir ao impacto do que os investigadores descobriram e tornaram público. O governo passou a atuar com ações orquestradas entre Executivo, Legislativo e Judiciário, numa reação dos ocupantes do poder para interromper a sangria de grandes proporções. A frente mais urgente foi enfrentada na semana passada, no julgamento no Tribunal Superior Eleitoral, que examinou a situação da chapa Dilma Rousseff-Michel Temer, eleita em 2014 turbinada pelo caixa dois proporcionado por Odebrecht e JBS, entre outras, e exposto claramente pela Lava Jato. Dias antes do julgamento, o Planalto entrou forte no jogo. Gustavo Rocha, subchefe jurídico da Casa Civil, ex-assessor do ex-deputado Eduardo Cunha, procurou ministros do tribunal. Não foi atendido por telefone, por medo de grampos da Polícia Federal. No exame do caso na semana passada, parte dos ministros do TSE jogou a favor do governo e preferiu não aceitar as provas fornecidas pela Odebrecht.
JOSÉ SARNEY
Próximo ao ex-presidente José Sarney, o ministro Napoleão Maia foi dos mais enfáticos contra o relator Herman Benjamin sobre o uso dessas provas. Na quarta-feira (7), enquanto transcorria o segundo dia de julgamento no TSE e Maia discordava do relator, Herman Benjamin, partidário da cassação da chapa, o sobrinho de Maia, Luciano Nunes Maia, era sabatinado no Senado para uma posição no Conselho Nacional do Ministério Público – apesar da exígua experiência de apenas oito anos como magistrado. Era a mão do governo fazendo o que sabe, a troca de cargos por apoio a Temer. Na última hora, o presidente do Senado, Eunício Oliveira, desistiu de votar a indicação devido ao baixo quórum. Luciano terá de esperar um pouco mais para assumir o cargo. O jogo das trocas corre solto. O próprio senador Eunício negocia a indicação de um aliado a uma vaga de ministro suplente do TSE. Pela missão de conversar com os ministros do TSE, Gustavo Rocha emplacou um amigo em uma vaga no Tribunal de Justiça do Distrito Federal.
Ao chegar tão perto de Temer, no entanto, a Lava Jato se depara com o maior contra-ataque já elaborado contra seu trabalho. Os métodos do governo ficam paulatinamente mais agressivos. O Executivo disparou um forte ataque ao grupo JBS, de Joesley Batista. Até há pouco, a JBS era cortejada no Congresso, uma das maiores beneficiadas pelo governo federal na última década, com empréstimos generosos de dinheiro público do BNDES, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, e da Caixa. Joesley era recebido no escritório de Temer em São Paulo e era uma espécie de parceiro financeiro, que forneceu recursos ao PMDB a pedido de Temer. Emprestava seu jatinho de bom grado para Temer viajar com a família para a Bahia. A Lava Jato e outras operações desmascararam essa relação espúria da empresa com o governo. E, após a delação de Joesley complicar a vida de Temer, o vento mudou.
FATÍDICA CONVERSA
A Comissão de Valores Mobiliários, que investiga irregularidades no mercado financeiro, abriu 11 procedimentos contra a JBS. Na semana passada, a Caixa antecipou a cobrança de uma dívida de R$ 50 milhões da Flora, uma das empresas da J&F, a holding que reúne todas as empresas dos Batista. Credor do conglomerado com cerca de R$ 10 bilhões, o banco também tomou medidas para evitar que o grupo possa tomar novos empréstimos no mercado. Na quinta-feira (8), foi a vez de a Petrobras anunciar que não fornece mais gás à usina Âmbar. A Âmbar é a empresa que levou à prisão o ex-deputado Rodrigo Rocha Loures. Na fatídica conversa na noite no Jaburu, em 7 de março, Joesley perguntou a Temer sobre quem seria seu interlocutor para resolver problemas. “É o Rodrigo”, disse Temer. “É o Rodrigo? Então ótimo”, disse Joesley. Quando encontrou Rodrigo Rocha Loures, Joesley pediu ajuda para obter no Cade, órgão que zela pela livre concorrência, uma decisão favorável a um pedido para comprar gás diretamente da Bolívia, não mais da Petrobras. Segundo Joesley, o preço da estatal lhe causava prejuízo diário de R$ 1 milhão. Por isso topou pagar propina de R$ 500 mil semanais por 20 anos – e Rocha Loures foi filmado pela Polícia Federal na entrega da primeira mala. Com a decisão da semana passada, a Petrobras deixou a Âmbar sem gás. Uma vingança que vai custar mais de R$ 1 milhão por dia aos Batista.
A JBS já fez sua delação. Foi bem tratada no passado e sente a ira da vingança dos políticos agora. Contudo, a atitude do governo é uma ameaça clara a empresários dispostos a delatar – e há alguns na fila. Fez-se de tudo para evitar que executivos da Odebrecht ficassem de boca fechada, o governo agora deixa claro que quem delatar e causar problemas aos ocupantes do poder vai apanhar muito. Nos próximos dias será instalado o braço do Legislativo a fazer o enfrentamento com a Lava Jato. Começará a funcionar no Congresso a CPMI da JBS, cujo objetivo no papel é “investigar supostas irregularidades envolvendo as empresas JBS e J&F em operações realizadas com o BNDES e BNDES-PAR ocorridas entre os anos de 2007 e 2016, que geraram prejuízos ao interesse público; e os procedimentos do acordo de colaboração premiada celebrado entre o Ministério Público Federal e os acionistas das empresas JBS e J&F”. Em 2009, o Senado criou a CPI da Petrobras com função parecida. Hoje sabe-se que foi uma ótima oportunidade para que parlamentares como o senador Gim Argello, preso em Curitiba, cobrassem resgate de empresas para evitar sua convocação.
O objetivo da CPMI da JBS é diverso da “investigação”. Incentivados pelo Palácio do Planalto, os parlamentares querem usar requerimentos, depoimentos e pedidos de informação para fustigar as investigações da Lava Jato. Um dos primeiros requerimentos a ser apresentados será um convite ao ministro Edson Fachin, o relator da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal, para que compareça ao Senado e explique se tem alguma ligação com um dos delatores da JBS, o executivo Ricardo Saud. Deputados e senadores não têm poder para convocar um ministro do Supremo. No entanto, o simples convite já cria um constrangimento significativo para Fachin. Há dois anos, o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha, do PMDB, ficou célebre por executar manobras agressivas desse tipo feitas nos bastidores e, depois, a céu aberto. O governo, no entanto, adotou sua sistemática e a executa abertamente.
LAVA JATO
Escárnio maior, após meses de espera, na semana passada a nova composição do Conselho de Ética do Senado começou a trabalhar. Uma de suas maiores estrelas, Romero Jucá, do PMDB, cinco inquéritos da Lava Jato nas costas, citado em depoimentos de sete delatores da Odebrecht, apresentou um requerimento pelo qual pede que sejam definidas as atribuições do Conselho, da Procuradoria-Geral da República e do Supremo no caso de denúncia e investigação de senadores. O objetivo mais imediato é encontrar brechas para reverter o afastamento do senador Aécio Neves, determinado por Fachin após as revelações da delação da JBS. O cenário futuro é beneficiar o próprio Jucá e colegas como Renan Calheiros – 12 inquéritos da Lava Jato nas costas, mencionado por 12 delatores da Odebrecht em depoimentos, que correm um risco parecido. Já que fracassaram as tentativas de segurar as investigações, parte dos senadores quer montar chicanas capazes de evitar a efetivação das punições.
Apesar de a Procuradoria-Geral da República estar prestes a disparar uma denúncia capaz de abalar o comando do que considera o navio da corrupção, os incansáveis marinheiros, aqueles que podem ser substituídos, vão continuar a trabalhar para contornar as dificuldades. A oferta de cargos, a esperança de manter o antigo sistema e o instinto de sobrevivência são motivos mais que suficientes para seus esforços.
Nota da assessoria de imprensa da Engevix
A Engevix afirma que é absolutamente falsa a informação de que pagou qualquer valor ao coronel João Baptista Lima Filho em contratos envolvendo a Eletronucelar.
A Engevix foi subcontratada da AF Brasil, consórcio entre a AF internacional e a Argeplan, empresa de Lima Filho, para a realização de obras.
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