“Navegava Alexandre em uma poderosa armada pelo mar Eritreu a conquistar a Índia; e como fosse trazido à sua presença um pirata, que por ali andava roubando os pescadores, repreendeu-o muito Alexandre de andar em tão mau ofício: porém ele, que não era medroso nem lerdo, respondeu assim: ‘Basta, senhor, que eu, porque roubo em uma barca, sou ladrão, e vós, porque roubais em uma armada, sois imperador?’ Assim é. O roubar pouco é culpa, o roubar muito é grandeza: o roubar com pouco poder faz os piratas, o roubar com muito, os Alexandres. Mas Sêneca, que sabia bem distinguir as qualidades e interpretar as significações, a uns e outros definiu com o mesmo nome: ‘Eodem loco ponem latronem, et piratam quo regem animum latronis et piratae habentem’. Se o rei de Macedônia, ou de qualquer outro, fizer o que faz o ladrão e o pirata; o ladrão, o pirata e o rei, todos têm o mesmo lugar, e merecem o mesmo nome.”
— Sermão do Bom Ladrão, Pe. Antônio Vieira


Em essência, La Boétie concluiu o mesmo que Vieira, a saber, que
em última análise, toda a legitimidade dos tiranos vem da anuência da maioria de seus súditos, que, por sua vez, tem origem na carência de virtudes no povo. Não que este seja culpado pela tirania, mas que ele é o único capaz de romper o ciclo de sua própria escravidão e isto consiste essencialmente em um problema moral e não de força bruta, pois se: “decidi não mais servir e sereis livres; não pretendo que o empurreis ou sacudais, somente não mais o sustentai, e o vereis como um grande colosso, de quem se subtraiu a base, desmanchar-se com seu próprio peso e rebentar-se.” (La Boétie)
Roubar pouco faz do homem um marginal e roubar muito, um político. Estamos esperando o que para dar aos segundos o desprezo que damos aos primeiros na proporção de suas vilanias?
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